Um dos episódios mais icônicos de Seinfeld, “The Contest” (4×11), aborda em sua temática a capacidade dos personagens em exercer controle sobre seus próprios comportamentos. Os personagens utilizam expressões como “rainha do castelo”, “rei do condado” ou, o mais conhecido, “mestre do seu próprio domínio” para ilustrar a superioridade da vontade consciente nesse contexto.
Não vou dar spoiler revelando se eles conseguiram ser os mestres de seus próprios domínios, mas o fato é que muitas vezes queremos agir de uma maneira, e acabamos fazendo o oposto. Queremos atingir um objetivo, e tomamos ações que nos afastam dele. É difícil se alimentar de maneira saudável. É difícil ir para a academia todos os dias. Como assim não conseguimos ser as rainhas e os reis do nosso próprio castelo?
Cada área do conhecimento vai nos fornecer respostas diferentes, mas nesse artigo quero trazer uma visão da neurociência.
O poder oculto dos microorganismos
Recentemente, o canal do TEDx Talks no YouTube disponibilizou uma palestra da renomada pesquisadora Kathleen McAuliffe: “O Impacto dos Microorganismos na Psicologia Humana“. Como uma autoridade na área de microbiologia, Kathleen alcançou grande reconhecimento com seu livro best-seller chamado “Este é o seu cérebro com parasitas: Como pequenas criaturas manipulam nosso comportamento e moldam a sociedade” (tradução literal).
Nessa palestra de onze minutos, é fácil perceber a razão do nosso sofrimento em conseguir alcançar metas que nós mesmos criamos. Nós não temos controle total do nosso domínio.
Kathleen começa sua talk falando sobre a microbiota – uma comunidade diversa de bactérias, protozoários, fungos e outros organismos unicelulares que habitam nossos corpos. Ela enfatiza que essas microbiotas, especialmente as do intestino, não são meros passageiros, mas atores ativos na saúde humana.
O eixo intestino-cérebro estabelece uma comunicação bidirecional essencial entre o intestino e o cérebro. Esse sistema permite que a microbiota envie sinais ao cérebro, exercendo influência sobre diversos aspectos, como o humor, os níveis de energia, o apetite, a memória e, possivelmente, até mesmo nossa personalidade.
Se acontece com os camundongos, é bem possível que aconteça com a gente
Kathleen traz alguns experimentos envolvendo “camundongos de bolha”, que são camundongos criados em ambientes estéreis, sem microbiota. Esses camundongos apresentaram falta de curiosidade, dificuldades de aprendizado e aversão à novidade. No entanto, a introdução de microbiota desde cedo em suas vidas alterou seu comportamento, tornando-os mais semelhantes aos camundongos normais. Esse experimento demonstra o papel crítico da microbiota no desenvolvimento cognitivo e emocional.
Dessa forma, é possível identificar o papel da microbiota em transtornos neuropsiquiátricos. Kathleen menciona pesquisas clínicas em andamento que investigam o papel da inflamação intestinal na depressão e a relação entre microbiota intestinal e transtornos do espectro autista.
A parte positiva é que a identificação de atores bacterianos bons e ruins poderia levar a novas terapias que revolucionariam o tratamento de condições neuropsiquiátricas.
Sobre nosso intestino e o livre arbítrio
Essas informações e experimentos podem despertar um desconforto ao nos fazer refletir sobre o livre arbítrio e nossas ações conscientes. No entanto, acredito que também possam trazer um certo alívio das pressões pessoais, ao considerarmos que existem outros fatores que influenciam nosso comportamento.
Considero a área da biologia e neurociência fascinante, pois têm revolucionado nosso entendimento da psicologia humana. Esses avanços nos levam a refletir profundamente sobre o poder da microbiota, que embora seja invisível a olho nu, são grandes manipuladores no teatro do comportamento humano.
No mínimo, fica a pergunta: se o pessoal de Seinfeld tivesse cuidado melhor da sua microbiota, o resultado da aposta teria sido diferente?